domingo, 25 de julho de 2010

On Being Sane In Insane Places

(1890 - On the Threshold of Eternity - Vincent van Gogh)

"On Being Sane In Insane Places" é o título de um artigo publicado na Science em 1973. O artigo narra um estudo em que 8 voluntários simularam sintomas de esquizofrenia durante uma consulta psiquiátrica. Vale ressaltar que naquela época (bastante estranho chamar o período em que nasci de "naquela época", mas indo em frente...)... naquela época os pacientes com distúrbio psiquiátrico, particularmente traços de esquizofrenia, eram internados em sanatórios. Os voluntários eram estimulados a dizer que ouviam vozes dizendo palavras como "vida", "vazia", "fim" - isso levaria os examinadores a imaginar a possibilidade de suicídio o que facilitaria a internação. Entretanto, ninguém imaginava que todos seriam internados logo após a primeira consulta, como ocorreu. Independentemente disso, todos foram instruídos a deixar de simular qualquer coisa logo após a internação; o que foi feito. As tentativas de contato com as pessoas do sanatório para discutir a alta hospitalar foram sempre em vão. O tempo total de internação dos voluntários foi de 19 a 52 dias!!! Ou seja, uma vez rotulados como esquizofrênicos, os voluntários não conseguiam mostrar que eram pessoas normais!
O estudo tem várias particularidades médicas que não cabem aqui mas tem uma característica particularmente marcante, que envolve todos os processos de gestão de pessoas - o quanto o processo de rotular uma situação ou pessoa interfere na avaliação independente da realidade.
Os mais variados processos em que nos envolvemos dependem de avaliação isenta a fim de que o "retrato" reflita "a realidade" a ser tratada no processo. Vale também para processos de gestão do conhecimento. Muitas das tentativas de compilar, tangibilizar e mesmo compreender o conhecimento existente em uma organização partem de premissas que estão baseadas muito mais em rótulos do que em retratos da realidade - "temos o maior capital intelectual em nossa área de atuação"; "nossos processos atingiram o máximo de produtividade possível"; "a informação necessária já existe entre nós, basta explicitá-la"; são exemplo do quão "misleading" pode ser um processo de gestão de conhecimento se o mesmo não começar pelo reconhecimento sincero da realidade em que ele se aplica.
Obviamente o artigo que mencionei no início (Science - Janeiro/1973 - Vol 179) tinha como objetivo mostrar a dificuldade em se reconhecer a sanidade como critério absoluto - essa discussão foi um dos pilares do processo de desospitalização de pacientes psiquiátricos - mas acaba por gerar a reflexão sobre o quanto nossas verdades absolutas são influenciáveis por contextos e rótulos não dependentes de nós, mas muitas vezes por nós assumidos.

Postado por Rogerio de Souza



5 comentários:

  1. Rogério,
    Muito interessante seu post, e nos faz refletir como o rótulo pode prejudicar qualquer processo de avaliação...vale como alerta para tomar muito cuidado ao julgar alguém!

    Patrícia Rodrigues Correia

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  2. Essa história de rótular é uma loucura.
    Cor de cabelo, tatuagem, deficiência...
    Tanto na vida pessoal quanto profissional, o pré julgamento está presente!
    É mais fácil rotular do que analisar...
    Tenho uma amiga que dá aula em escolas pra alunos especiais, e em uma turma específica, tem um autista que fica andando no meio dos demais com deficiências diferentes da dele repetindo: " - Tenho medo de gente louca."

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  3. Pois é, em poucas palavras conseguimos refletir o quanto prejudicial pode ser um pequeno comentário ou até mesmo um pré conceito formado de uma pessoa ou situação. Não podemos nunca julgar, mas somente observar e conhecer e após se pertinente emitir algum comentário ou opinião, mas sempre com muito cuidado para não "destruir" o outro.
    Comentado por Cristina Zafred Zanaga

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  4. Fantástico! Os rotulos estão bastante presentes no dia-a-dia empresarial gerando bloqueios, conflitos, distorcendo realidades e destruindo identidades. Esse tema é banalizado pelas pessoas, mas é algo sério que pode comprometer uma pessoa profundamente, e até mesmo a cultura de uma organização.

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  5. Rogério,
    Como vivemos em uma sociedade que tem em seus alicerces a rotulação de pessoas e atitudes, ou seja, de tudo que é diferente, temos a oportunidade de em nossos ambientes de convivência social ou profissional exercitarmos o contrário para quem sabe assim ajudarmos a construir um futuro mais justo!

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